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Descubra como adaptar a mensagem cristã à cultura local pode ser um desafio, porém é essencial na plantação de igrejas

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Clinton Sathler Lenz César

“Ajudai-me a jamais julgar outro homem até que eu tenha caminhado sete dias com as suas sandálias” (prece dos índios Sioux)

Em Filipenses 2.5-8, lemos que Jesus, “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.” Temos aqui uma das mais importantes declarações sobre a pessoa e o ministério de Cristo. Entre os estudiosos do Novo Testamento, existe uma grande variedade de interpretações sobre em que nível Cristo se “esvaziou”. Fato é que, independente da maneira como lemos esta passagem, podemos concordar que, de alguma maneira, Cristo deixou uma condição superior e espontaneamente assumiu uma condição inferior, com limitações antes não vivenciadas. O mais importante aqui, eu creio, é entender que foi para cumprir a sua missão no mundo que Cristo precisou abrir mão de uma glória que, por natureza, lhe pertencia, e assumir uma condição de servo, “tornando-se semelhante aos homens”.

No início do texto, que muitas vezes passa despercebido, o apóstolo Paulo diz que devemos ter em nós a mesma atitude e disposição mental que levou Jesus a esvaziar-se. Temos aqui, portanto, um desafio duplo: o primeiro, de entender o que este processo significa; o segundo, de aplicá-lo à nossa própria história de vida.

Logo no início do processo de plantação da Comunidade Presbiteriana Libertas, na Zona Sul do Rio de Janeiro, tentei propor para o nosso grupo base uma discussão baseada neste texto, buscando definir qual seria a filosofia de ministério da nova igreja. O exemplo de Cristo nos desafiou com uma pergunta: do que precisamos abrir mão para plantar esta igreja e alcançar pessoas com o evangelho transformador de Cristo Jesus?

Esta pergunta ecoou fundo no nosso coração. A partir de uma profunda reflexão, começamos a identificar o que, em nós, poderia representar uma barreira à comunicação do evangelho para um público alvo como o nosso, bastante crítico, intelectualizado e, aparentemente, com suas necessidades materiais completamente satisfeitas. Começamos então a refletir sobre o que é essencial e o que é negociável, e percebemos que muitas de nossas crenças, tradições, linguagem e costumes precisavam ser reavaliados. Precisávamos, definitivamente, de uma releitura de nós mesmos e da cultura ao nosso redor, ou seja, saber quem somos e quem eram as pessoas que buscávamos alcançar.

Assim como Cristo se esvaziou para cumprir a sua missão, descobrimos que, para plantar uma igreja bíblica, criativa e relevante, também precisaríamos nos esvaziar. Sem deixar de lado os princípios básicos e inegociáveis da fé cristã (o que somos), precisaríamos contextualizar o evangelho no mundo (como somos). Este processo deve se dar basicamente em dois movimentos:

  1. Ir ao mundopara conhecer as pessoas, o que fazem, como pensam, como vivem, ou seja, caminhar com suas sandálias, tentar enxergar o mundo com seus olhos, entender os fatos como elas entendem. Em outras palavras, devemos “vestir” suas vestes, buscando pontos de contato e fatores de identificação com elas. A Bíblia nos mostra que a grande maioria dos encontros de Jesus não se deu num ambiente religioso, como o templo ou a sinagoga, mas ocorreu no “lugar comum”, onde as pessoas transitavam no dia-a-dia, trabalhando, estudando, viajando, descansando, etc. Foi assim com Zaqueu (no meio do caminho), com os discípulos pescadores (na praia, seu ambiente de trabalho), com Nicodemos (em casa), com a mulher samaritana (num poço à beira do caminho) e tantos outros. Jesus não esperou que as pessoas saíssem do seu mundo para virem ao dele, mas foi ao encontro das pessoas no seu próprio mundo. Temos aqui um grande exemplo para plantadores de igreja sobre o significado e a necessidade de se “esvaziar”. Geralmente, trabalhamos para trazer as pessoas ao nosso mundo religioso, mas dificilmente estamos dispostos a transitar e buscar encontros no mundo onde as pessoas vivem. Muitas vezes, a igreja tem sido vista como um elemento alienador porque, ao invés de dar um novo sentido ao cotidiano, tem buscado fugir dele, criando seu próprio mundo, muitas vezes “virtual”. Esvaziar-se para plantar uma igreja é, neste sentido, ter a coragem, a tranqüilidade e a intencionalidade de transitar no mundo onde as pessoas vivem, trabalham, descansam e se divertem. Além disso, também precisamos refletir se, quando nos reunimos, também buscamos de alguma forma criar pontos de contato com o mundo onde as pessoas vivem. Há poucos meses atrás, dando um curso sobre evangelismo, ouvi de uma jovem que a coisa com a qual ela mais ficara impressionada na primeira vez que foi a uma igreja evangélica foi o fato do pastor ter citado o Renato Russo durante a mensagem. Ela disse: “ei, esse eu conheço, tá falando a minha língua!”
  2. Revisitar nosso contexto eclesiástico, reavaliando tudo o que fazemos, dizemos e transmitimos em nossos encontros comunitários. Em outras palavras, devemos nos “despir” de nossas próprias vestes, ou seja, daquilo que representa simplesmente um peso, ou barreira para a comunicação clara do Evangelho. Para podermos “vestir” as vestes das pessoas que não conhecem a Cristo, devemos antes nos “despir” das nossas próprias vestes. Precisamos fazer uma reflexão sobre tudo aquilo que, na dinâmica da vida comunitária, faz total sentido para nós, mas que, para os não-frequentadores de igreja, sem nenhuma cultura eclesiástica, não faria qualquer sentido. Ficamos surpresos com a constatação de que quase tudo em nossas tradições, costumes e linguagem fala apenas aos de “dentro”. Torna-se essencial realizarmos um exercício para contextualizar cada gesto, cada palavra, cada rito, cada prática. Devemos repensar nossa forma de pregar, que parte da realidade bíblica e busca uma aplicação na vida atual (o velho estilo ler o texto, explicar o texto, ilustrar o texto e aplicar o texto). Talvez seja a hora de partirmos da realidade à nossa volta, os últimos acontecimentos, os fatos mais marcantes, as músicas e filmes que mais bem expressam o que o mundo pensa, para então apresentar a resposta bíblica para tudo isso. É preciso reler o que o mundo lê, rever o que o mundo vê, “reouvir” o que o mundo ouve, não apenas como forma de entender o que pensa, mas também usando tudo isso como ponto de contato e como forma de alcançar as pessoas carentes de Cristo. Foi neste sentido que John Stott disse: “Nós ouvimos o mundo com atenção crítica, igualmente ansiosos por compreendê-lo, e decididos, não necessariamente a crer nele e a obedecer-lhe, mas a simpatizar com ele e a buscar graça para descobrir que relação existe entre ele e o evangelho.” (Ouça o Espírito, Ouça o Mundo, p.30)

A encarnação de Cristo é um exemplo para todo plantador de igreja. Se ele, sendo filho de Deus, abriu mão da sua glória e vivenciou de maneira plena e integral a experiência humana, nós, como plantadores de igreja, também devemos descer do confortável pedestal eclesiástico que geralmente nos abriga e protege e, corajosamente, esvaziar-nos a nós mesmos, tornando-nos mais servos e mais “semelhantes aos homens”. As igrejas que fazem diferença no mundo são aqueles que vivem para servir e a encarnação é condição essencial para o serviço. Que Deus nos ajude a plantar igrejas mais interessadas na glória do Pai, seguindo o exemplo do Filho, no poder do Espírito.

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